
- Saulo Jennings: Receitas de chef do Pará que se negou a cozinhar para príncipe William incluem 'feijoqueca' feita para Rei Charles III
Para início de conversa, o profissional esclarece que não tem nada contra o veganismo. Ele entende e respeita o movimento — tanto que o restaurante que comanda, a Casa do Saulo, foi o primeiro estabelecimento de Belém (PA) a incluir pratos sem carne no menu. O cozinheiro só não consegue acreditar que todos os convidados da premiação sejam adeptos de uma dieta totalmente vegana. E mais. Na visão do chef, não faz sentido ser contratado para apresentar a culinária amazônica, e logo para uma turma de gringos, sem poder utilizar um dos principais ingredientes locais.
— Os britânicos vêm da terra do "fish and chips" e agora não comem peixe? Pegou mal essa determinação — avalia Saulo, eleito, em 2024, como o primeiro e único Embaixador Gastronômico da Organização Mundial do Turismo, agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU). — A meu ver, pelo que tenho visto de várias delegações que estarão na COP30, eles têm medo e um certo preconceito da nossa comida. Às vezes não é nem porque a pessoa seja vegana. É receio mesmo! Este é o meu sentimento. Não estou dizendo que este é o caso deles (dos britânicos e do príncipe). Mas pelas propostas de trabalho que tenho recebido para a COP30, escuto muitas coisas assim: "Ah, faz só uns sanduichinhos com peito de frango", já me pediram recentemente. Respondo que faço lombo de pirarucu. Esta é a minha cozinha.
Palácio de Kensington, a 'residência oficial' de Kate Middleton e Príncipe William, na Inglaterra

Saulo sugeriu aos organizadores, de forma insistente, que pelo menos 10% ou 20% do cardápio contivessem iguarias com peixe, uma de suas especialidades. As negociações foram longas. A resolução final, porém, foi por um menu exclusivamente à base de vegetais.
Detalhe: em 2023, Saulo encantou o paladar do Rei Charles III ao assumir a função de chef da festa que antecedeu a coroação do monarca, no Palácio de Buckingham, na Inglaterra. Na ocasião, ele preparou arroz de pato com tucupi, peixe com musseline de macaxeira e cordeiro temperado com ervas amazônicas. Nada de restrições.
Aliás, um dos pratos mais pedidos no restaurante do chef — que tem filiais no Museu do Amanhã, na capital fluminense, e no Edifício Boulevard Sul, na Vila Olímpia, em São Paulo — foi especialmente criado diante do Rei Charles III. Trata-se da "feijoqueca", um misto de feijoada e moqueca, preparado com feijão-fradinho de Santarém, peixe, camarão, jambu e perfume de pimenta-comari. Um must.
— Não acho que é sobre saber ou não cozinhar de maneira 100% vegana — reforça o cozinheiro, ao comentar a decisão por abandonar a labuta desta vez. — É sobre missão! No meu caso, tenho um propósito, que é levar a culinária da Amazônia onde eu puder. E a culinária da Amazônia é tudo o que vem dos rios e da floresta, incluindo o peixe. Tentei, ao máximo, uma negociação. Mas não rolou.
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O chef, novamente, sublinha o que mais influenciou a escolha. Ele faz questão de deixar tudo em pratos limpos.
— Eu me preocupo de a classe vegana achar que estou criticando o veganismo. Não é isso! Sou de uma culinária de inclusão — frisa Saulo, conhecido como um entusiasta máximo de ingredientes nacionais. — Dias desses, me encontraram num restaurante português e me questionaram: "Ah, você come bacalhau?" Claro que como! Não estou dizendo que não é para comer bacalhau. É para comer bacalhau, mas também é para comer pirarucu. Só não sou de exclusão.


